Representantes do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), da Diocese e do Município de Campanha, reunidos no "1º Encontro sobre Bens Desaparecidos - Nosso Acervo", realizado nos dias 15 e 16 de setembro, na cidade do Sul de Minas, assinaram a "Carta de Campanha em defesa do patrimônio cultural sacro de Minas Gerais".
O documento é resultado de discussões realizadas durante o evento sobre as estratégias de segurança dos museus e igrejas de Minas Gerais, bem como sobre a restituição e destinação dos bens apreendidos no Estado.
Entre as principais conclusões e recomendações da carta estão: a criação de uma delegacia de polícia estadual especializada no combate aos crimes contra o patrimônio cultural;
a incorporação do "Projeto Igreja Segura" como uma política de governo no Estado;
a revisão da legislação penal para punir com maior severidade aqueles que cometem crimes contra o patrimônio cultural;
a capacitação dos administradores das instituições religiosas em gestão do patrimônio cultural;
a promoção de educação patrimonial para que a comunidade se conscientize da importância da preservação;
a sistematização das vistorias e fiscalizações nos antiquários; elaboração de inventário dos bens tombados, principalmente aqueles móveis e integrados às edificações religiosas;
a implementação de ações para evitar que o patrimônio coletivo seja desviado para as mãos de particulares; a realização de exposições temporárias e eventos periódicos e itinerantes para divulgação das peças sacras apreendidas cuja procedência ainda não foi definida;
a criação de grupos de trabalho interinstitucionais permanentes; e a implantação de programas de assessoria às instituições museológicas para otimização da segurança, capacitação técnica, organização e conservação dos acervos.
A carta também contempla atribuições específicas do Ministério Público, que deve coibir o comércio clandestino de bens culturais e exigir a fiscalização e o cumprimento da resolução que trata de medidas de prevenção da lavagem de dinheiro por meio do comércio de antiguidades. Constatado o descumprimento dessas normas, deverá promover a responsabilização do agente pela prática da contravenção penal de "exercício ilegal do comércio de coisas antigas e obras de arte" (art. 48 da LCP), sem prejuízo da adoção das medidas cíveis pertinentes.
Ao Ministério Público cabe ainda exigir compensação pelo dano moral causado às comunidades privadas de seus bens culturais, em razão do comércio ilícito.O encontro é parte da Jornada Mineira do Patrimônio, iniciativa da Secretaria de Estado de Cultura inspirada na experiência francesa das Journées du Patrimoine, que busca incentivar e fortalecer a participação coletiva nas ações de preservação.
A cidade de Campanha foi escolhida para sediar o evento por ser um município que sofreu uma perda importante de seu patrimônio cultural. Em 1994, 28 peças sacras foram roubadas do Museu Regional do Sul de Minas, que fica na cidade.
O evento foi promovido pela Prefeitura de Campanha, por meio do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Municipal (Serpham), com o apoio da Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico, Governo de Minas, Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha) e Faculdades Integradas Paiva Vilhena.
Leia a íntegra da Carta de Campanha em defesa do patrimônio cultural sacro de Minas Gerais
Os representantes do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Diocese de Campanha, Município de Campanha e demais participantes presentes no "1º Encontro sobre Bens Desaparecidos - Nosso Acervo", realizado nos dias 15 e 16 de setembro de 2009, na cidade de Campanha, Sul de Minas, cujo Museu Regional foi totalmente saqueado no ano de 1994, quando foram subtraídas 28 peças sacras produzidas entre os séculos XVII e XIX;
Considerando a co-responsabilidade que a Constituição Federal impõe ao Poder Público e à sociedade no sentido de defender, promover e preservar o Patrimônio Cultural Brasileiro (artigos 127, caput, 129, III, 216, § 1º, 225);
Considerando a necessidade da criação, pelo Poder Público, de uma política pública que seja articulada e claramente voltada para a promoção e defesa do Patrimônio Cultural brasileiro;
Considerando que a especialização e a integração dos órgãos culturais nos níveis federal, estadual, distrital e municipal com o Ministério Público, Polícias Civil, Militar e Federal propicia maior agilidade e eficácia na adoção das ações de promoção e defesa do Patrimônio Cultural brasileiro;
Considerando que após ações de identificação, valorização e reconhecimento, objetos e obras singulares da cultura nacional - principalmente aquelas especialmente dotadas de significado histórico e sagrado, o que as leva a ser identificadas como objeto de arte ou de veneração - são bens de relevante valor cultural;
Considerando que tais peças, não raro, de autoria de renomados artistas do período colonial, pertenceram originariamente a monumentos religiosos, e se tomaram o destino ilícito de coleções particulares, é porque foram furtadas, indevidamente doadas ou até vendidas, eventualmente, por quem deveria ser responsável por sua guarda;
Considerando que a produção artística de Minas Gerais principalmente aquelas de objetos sacros foi historicamente uma prática coletiva e apropriada coletivamente;
Considerando que as agressões e os atentados contra o patrimônio histórico e artístico do país, por meio de furtos, saques, roubos, apropriações indébitas, receptação e outras formas irregulares de aquisição têm se acentuado em edificações religiosas nos últimos tempos e representam um considerável desfalque ao acervo cultural e sacro brasileiro;
Considerando que qualquer bem cultural nunca deve ser desvinculado do meio onde foi produzido e que nunca deveria deixar seu local de procedência, senão quando houver condições adversas que o ameacem, devendo regressar tão logo essas condições sejam superadas;
Considerando que também o Código de Direito Canônico, as determinações do Concílio Vaticano II e da Pontíficia Comissão para os Bens Culturais da Igreja proíbem ao clero a alienação de objetos sagrados, de culto ou de valor artístico e cultural;
Considerando ainda que a Lei nº 4.845/65 proíbe a saída, para o exterior, de obras de arte e ofícios produzidos no país, até o fim do período monárquico, e o Decreto-Lei nº 72.312/73 dispõe sobre medidas a serem adotadas para proibir e impedir a importação, exportação e transferência de propriedades ilícitas de bens culturais;
Considerando que, aproximadamente, 60% do patrimônio de bens móveis das igrejas mineiras foram deslocados da sua origem para acervos particulares e comerciantes de antiguidades;
Considerando a extrema relevância cultural de bens pertencentes à Igreja Católica e que compõem o acervo de capelas, igrejas e museus de arte sacra;
Os representantes referidos votam e aprovam as seguintes Conclusões e Recomendações:
1. É premente a criação em Minas Gerais de uma Delegacia de Polícia Estadual Especializada no combate aos crimes contra o patrimônio cultural, principalmente o de natureza sacra, tendo em vista a magnitude dos danos que têm sido cometidos em detrimento desses bens e que a falta de apurações céleres e especializadas contribuem para a corriqueira impunidade.
2. É premente a especialização da Polícia Militar para atuar em benefício da proteção do patrimônio cultural de Minas Gerais, como determinado desde 1989 pela Constituição Estadual.
3. O "Projeto Igreja Segura" deve ser incorporado como uma política de governo no Estado de Minas Gerais.
4. A legislação penal brasileira precisa ser revista para punir com maior severidade aqueles que cometem crimes contra o patrimônio cultural, considerando que atualmente não existem qualificadoras para tais delitos, gerando rotineiramente a prescrição e a impunidade.
5. As instituições religiosas têm obrigação de cuidar de seu acervo devendo, também, inventariar os bens móveis dotados de valor cultural e integrados às suas edificações.
6. As instituições religiosas em parceria com órgãos de preservação devem promover ações de capacitação de seus administradores e integrantes em matéria de gestão do patrimônio cultural.
7. As instituições religiosas devem promover a capacitação de seus zeladores e servidores para a adoção de cuidados com a vigilância do seu patrimônio cultural, tais como: controle de chaves e acesso aos templos; não deixar fotografar e filmar peças sacras de valor cultural (sem autorização prévia dos órgãos de proteção e administradores das instituições); manutenção de equipamentos de segurança e prevenção e combate a incêndios; implantação de livro de controle de visitantes; cuidados preventivos com as edificações.
8. As instituições religiosas em parceria com as instituições de preservação e ensino devem promover atividades de educação patrimonial para que a comunidade se conscientize da importância da preservação dos objetos de fé e cultura.
9. A vigilância, proteção e conservação dos bens móveis e integrados às edificações religiosas também são de responsabilidade das instituições religiosas e das comunidades e não só dos órgãos oficiais de preservação e proteção do Patrimônio Cultural.
10. As instituições religiosas como as dioceses, paróquias, irmandades, confrarias ou ordens terceiras devem observar o Código de Direito Canônico, as normas da Pontifícia Comissão para os Bens Culturais da Igreja e dotar de maior segurança as igrejas, capelas e monumentos de valor histórico e seus acervos, haja vista a fragilidade das técnicas e dos materiais empregados nessas construções.
11. Em nenhuma hipótese o estado de abandono ou a fragilidade dos edifícios justificam a guarda de peças dotadas de valor cultural por colecionadores ou em antiquários.
12. As peças sacras que guardam características (dimensões, porte, fatura, etc) de serem oriundas de templos utilizados para o culto coletivo (Igrejas e Capelas) e que se encontram em poder de particulares, presumem-se de procedência ilícita até prova em contrário a ser produzida pelo detentor, uma vez que as normas de direito canônico vedam a alienação de peças utilizadas no culto divino.
13. As peças sacras da Igreja produzidas no Brasil durante o Padroado guardam a natureza jurídica originária de bens públicos e, portanto, inalienáveis e imprescritíveis.
14. A compra ou aquisição sob qualquer forma de um objeto sacro sem o conhecimento de sua origem ou procedência constitui crime, devendo ser responsabilizado, também, aquele que detém sua posse em tais condições.
15. As vistorias e fiscalizações nos antiquários e comerciantes de antiguidades devem ser mais sistemáticas, envolvendo os órgãos de preservação cultural federal, estadual e municipal, o Ministério Público, as Polícias, e as fiscalizações fazendária, federal e estadual.
16. Os órgãos de proteção e preservação do Patrimônio Cultural devem realizar um inventário sistemático dos bens tombados, principalmente aqueles móveis e integrados às edificações religiosas, de forma a viabilizar a preservação de seus respectivos acervos.
17. O Ministério Público deve coibir o comércio clandestino de bens culturais e zelar para que se cumpra o art. 26 do Decreto-Lei n.º 25/37 e a Instrução Normativa Iphan 01/2007, que determina que negociantes de antiguidades, de obras de arte de qualquer natureza, de manuscritos e livros antigos ou raros são obrigados a um registro especial no Iphan, cumprindo-lhes, outrossim, apresentar semestralmente a esse instituto relações completas de coisas históricas e artísticas que possuírem.
18. O Ministério Público deve exigir a fiscalização e o cumprimento da Resolução Coaf 08/99, que trata de medidas de prevenção da lavagem de dinheiro por meio do comércio de antiguidades.
19. Constatado o descumprimento das normas citadas, o Ministério Público deverá promover a responsabilização do agente pela prática da contravenção penal de "exercício ilegal do comércio de coisas antigas e obras de arte" (art. 48 da LCP), sem prejuízo da adoção das medidas cíveis pertinentes.
20. O Ministério Público deve exigir compensação (indenização) pelo dano moral causado às comunidades lesadas e privadas de bens portadores de referência cultural, em razão do comércio ilícito de bens culturais.
21. Para coibir o tráfico de bens culturais, é fundamental uma efetiva parceria entre os Ministérios Públicos, órgãos de proteção e defesa do Patrimônio Cultural, Receitas Federal e Estadual e polícias, principalmente, a Polícia Federal/Interpol.
22. Novas ações devem ser implementadas para evitar que o patrimônio coletivo seja desviado para as mãos de particulares, como, por exemplo, campanha de divulgação, envolvimento e participação da sociedade, objetivando a devolução espontânea de peças sacras por parte de colecionadores ou incentivando denúncias de posse ilícita desses objetos.
23. Devem ser realizadas exposições temporárias e eventos periódicos e itinerantes em todo o Estado de Minas Gerais para divulgação das peças sacras apreendidas pelo poder público, mas, cuja procedência ainda não foi definida, estimulando e potencializando o reconhecimento dos bens pela comunidade.
24. Realização de eventos de divulgação das peças sacras desaparecidas.
25. Para o efetivo combate ao comércio ilícito de bens culturais faz-se necessária a criação de grupos de trabalho interinstitucionais permanentes.
26. É desejo de todos os participantes a realização de eventos para discussão de estratégias especificas para divulgação de dados constantes de inventários de bens móveis e integrados, recuperação e preservação do patrimônio arquivístico, ferroviário e de outros bens móveis que não tenham sido contemplados por esta Carta.
27. É recomendável a celebração de convênios entre as instituições religiosas, órgãos de preservação do Patrimônio Cultural e as Polícias Militar e Civil, objetivando a integração de ações e a capacitação dos policiais e demais atores envolvidos.
28. O Estado deverá implantar programas de assessoria às instituições museológicas para otimização da segurança, capacitação técnica, organização e conservação dos acervos.
29. Torna-se necessária a disponibilização pelo Estado de espaço adequado e específico para a guarda de bens culturais sacros objetos de apreensão.
30. Recomenda-se verificar a identificação e obter referências sobre profissionais de conservação e restauro que possam prestar serviços às instituições detentoras de acervos sacros.
31. Recomenda-se que as leis de incentivo estaduais prevejam rubricas específicas para custeio de projetos de segurança de acervos sacros e capacitação de profissionais envolvidos.
32. Recomenda-se a publicação periódica do cadastro de peças desaparecidas contemplando a legislação pertinente à matéria.
33. Recomenda-se também que a formação de acervos museológicos deve ser restrita aqueles objetos que perderam a sua função no culto religioso, entre os quais não estariam aqueles rituais e devocionais em uso.
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